Publicado originalmente em 1932, "História do Brasil", do poeta modernista Murilo Mendes (1901-1975), é um capítulo à parte na obra do autor. Tão à parte que quando se reuniu pela primeira vez o conjunto de suas obras poéticas, em 1959, no livro "Poesias - 1925-1955", o próprio autor preferiu deixar "História do Brasil" de fora, por considerar que ele destoava do restante de seu trabalho e que mesmo sua "face brasileira" ou "carioca" já estava representada por outros poemas.
Por "face brasileira" ou "carioca", você pode entender exatamente o caráter gozador de nosso povo, em especial dos habitantes do Rio de Janeiro, que já se acostumaram a rir de tudo, até nos momentos de calamidades.
E o próprio Machado ressalta: "o Brasil de Murilo Mendes está em contradição com o que foi ministrado em pílulas ao aluno na escola primária, pílulas preparadas nos arquivos entorpecentes e museus falsificados".
Mas os exemplos talvez sejam mais eloquentes que as considerações teóricas. Leia-se este breve poema de dois versos, intitulado "Homo Brasiliensis", típico poema piada modernista e repare no seu humor sutil:
Ou ainda uma obra-prima como "Linhas Paralelas" que consegue captar, com imenso sarcasmo, o absurdo burocrático-administrativo de todos os governos brasileiros - anteriores, contemporâneos e posteriores ao livro de Murilo Mendes:
"História do Brasil" também examina, debochadamente, as relações de favores que se estabelecem nos bastidores do poder, como fica escancarado em "Teorema das Compensações":
Mas a obra não se restringe a apresentar, ironicamente, a nação e seu povo como um todo, como se vê nos poemas acima transcritos. Ela também focaliza, sempre sarcástica, episódios específicos de nossa história, que vão do descobrimento à Revolução de 30, passando pela Invasão holandesas, o quilombo de Palmares, a Inconfidência mineira, a Guerra de Canudos etc.
Nesse sentido, uma boa forma de se trabalhar o livro em sala de aula seria de modo interdisciplinar, em que os professores de história do Brasil e de literatura brasileira analisassem os textos conjuntamente, cada um dos quais explorando os aspectos específicos de sua disciplina que se veem nessa poética e muito especial "História do Brasil".
Por "face brasileira" ou "carioca", você pode entender exatamente o caráter gozador de nosso povo, em especial dos habitantes do Rio de Janeiro, que já se acostumaram a rir de tudo, até nos momentos de calamidades.
Irreverência e malandragem lírica
"História do Brasil" encara a nossa história com o humor iconoclasta da primeira geração do modernismo (embora publicado dez anos após a Semana de Arte Moderna de 1922). A obra cria, "com irreverência e malandragem lírica, o reverso de nossa mitologia cívica", na definição do grande escritor Aníbal Machado (1884-1964).E o próprio Machado ressalta: "o Brasil de Murilo Mendes está em contradição com o que foi ministrado em pílulas ao aluno na escola primária, pílulas preparadas nos arquivos entorpecentes e museus falsificados".
Jeitinho brasileiro
De fato, o que vamos encontrar nos 60 poemas que compõem o volume é um outro lado da história, focalizado por uma visão satírica, mas tão abrangente que consegue captar o espírito da história do Brasil ou o que há de genuinamente brasileiro em nossa história.Mas os exemplos talvez sejam mais eloquentes que as considerações teóricas. Leia-se este breve poema de dois versos, intitulado "Homo Brasiliensis", típico poema piada modernista e repare no seu humor sutil:
O homem É o único animal que joga no bicho. |
Ou ainda uma obra-prima como "Linhas Paralelas" que consegue captar, com imenso sarcasmo, o absurdo burocrático-administrativo de todos os governos brasileiros - anteriores, contemporâneos e posteriores ao livro de Murilo Mendes:
Um presidente resolve Construir uma boa escola Numa vila bem distante. Mais ninguém vai nessa escola: Não tem estrada para lá. Depois ele resolveu Construir uma estrada boa Numa outra vila do Estado. Ninguém se muda para lá Porque lá não tem escola. |
"História do Brasil" também examina, debochadamente, as relações de favores que se estabelecem nos bastidores do poder, como fica escancarado em "Teorema das Compensações":
O bicheiro é vereador. Depende do presidente Da Câmara Municipal. O presidente é meio pobre, Arrisca sempre na sorte, Ai! depende do bicheiro. O bicheiro ganha sempre Na eleição pra vereador. E “seu” presidente acerta Muitas vezes na centena. |
Mas a obra não se restringe a apresentar, ironicamente, a nação e seu povo como um todo, como se vê nos poemas acima transcritos. Ela também focaliza, sempre sarcástica, episódios específicos de nossa história, que vão do descobrimento à Revolução de 30, passando pela Invasão holandesas, o quilombo de Palmares, a Inconfidência mineira, a Guerra de Canudos etc.
Pré-requisito
Para lê-la e entendê-la, porém, é preciso ter em mente que é pré-requisito ter conhecimentos da história do Brasil, pois o humor dos textos se baseia em referências e alusões específicos a períodos ou episódios históricos, cujo desconhecimento pode tornar os poemas sem graça ou ininteligíveis.Nesse sentido, uma boa forma de se trabalhar o livro em sala de aula seria de modo interdisciplinar, em que os professores de história do Brasil e de literatura brasileira analisassem os textos conjuntamente, cada um dos quais explorando os aspectos específicos de sua disciplina que se veem nessa poética e muito especial "História do Brasil".
*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.
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