Resenha Crítica
As razões consagradas tradicionalmente em nossa historiografia são suficientes para dar conta do processo que resultou na superação da monarquia e conseqüente instalação da República no Brasil? No trabalho em epígrafe, a historiadora Emília Viotti afirma que não. Segundo ela, é " lugar – comum" entre os historiadores sustentar a explicação histórica em cima de argumentos recorrentes e justapostos que não passam de interpretações superficiais e pouco objetivas. "Faltam estudos sistemáticos e de conjunto sobre a questão e as versões tradicionais continuam repetidas nos manuais didáticos," (p. 326) .
Para consubstanciar sua tese, Viotti propõe uma espécie de revisionismo historiográfico em que discute a qualidade das fontes selecionadas para a elaboração do discurso (documentos testemunhais) e o tipo de leitura que se pode realizar em função dos limites pertinentes à natureza de tais fontes (paixão, ignorância, inexatidão, etc.). De igual modo afirma que as primeiras versões apresentadas pelos monarquistas que consideravam a República um ato de insubordinação e revanchismo, e pelos Republicanos, necessárias correções de vícios, estavam eivadas de ressentimentos derivados de antagonismos entre tais grupos.
Para Viotti, o discurso produzido na 2ª década do século XX é marcado pelo presentismo justificador e pela influência positivista que opõe a noção de "ação individual x processo." É, de fato, na 3ª década do século XX que a historiografia realiza progresso. "Abandonando as versões subjetivas dos testemunhos, procuram os historiadores explicar a queda da Monarquia pela inadequação das instituições vigentes ao progresso do país".(p.225) E, desse modo, inaugura-se nova perspectiva de abordagem do episódio . É nesse particular que reside a contribuição da autora: fazer uma releitura do episódio com mudança de enfoque, promovendo reparos nas versões até então elaboradas e, assim, estabelecer novos parâmetros para a compreensão do processo de construção do projeto republicano no Brasil .
Após examinar, ponderar e expurgar os excessos da argumentação tradicional (a alegada tríade de questões: da abolição, militar e religiosa) estabelece o que na sua visão seriam os verdadeiros pressupostos para a eclosão do movimento republicano: as contradições entre os diversos interesses de grupos econômicos distintos; a distância das províncias em relação ao centro do poder e, por fim, a dificuldade de acomodação política das novas forças econômicas (muito condicionadas pela nova ordem econômica mundial então vigente) que acabaram por arrastar o regime monárquico a um nível de inércia que o inviabilizou definitivamente como projeto de governo. Enfatiza, ainda , a necessidade de atualizar o discurso historiográfico em razão dos novos horizontes da historiografia, o que ,segundo defende ,ajuda a ampliar o campo conceitual do historiador.
Emília Viotti da Costa é professora emérita de História da América Latina da Universidade de Yale (EUA), professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autora dos livros "Da Senzala à Colônia" (Unesp), "Coroas de Glória", "Lágrimas de Sangue"(Companhia das Letras), entre outros. A historiadora, em tela, segue a linha da história social .
Da Monarquia à República: momentos decisivos, 5ª edição, VIOTTI, Emília da Costa, São Paulo, 1987 (p. 321 – 361).
Autoria: Giovanni Saraceni
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