quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Tráfico de animais silvestres Atividade só perde para droga e armas Mariana Aprile


A Acanthoscurria geniculata, conhecida como comedora de pássaros
No interior da floresta Amazônica, uma aranha da espécie Acanthoscurria geniculata, conhecida como "comedora de pássaros" espreita um filhote de papagaio que resolve explorar o mundo fora do ninho construído por seus pais em uma seringueira. A aranha espera, imóvel, camuflada entre as cascas do galho, a pequena ave se aproximar inocentemente. Rápida como um raio, desfere seu bote, perfura a presa com seus enormes ferrões e injeta o veneno. O filhote é rapidamente imobilizado pela ação da peçonha - e a caranguejeira tem sua refeição garantida.

Não muito longe, em um dos galhos de uma castanheira, uma jibóia foca a sua atenção em um sagüi despreocupado. O macaquinho só percebe a presença da serpente tarde demais. Ela o ataca com uma forte mordida, e sem perder tempo, enrola-se sobre a vítima para dar seu abraço mortal.

As personagens das cenas acima descritas, por incrível que pareça, também são muito apreciados como pets, hoje em dia. Muitas pessoas compram pets silvestres por sua beleza incomum, e admiração. Entretanto, essa prática é cercada de polêmicas e não é para menos.

Animais silvestres em cativeiro
Embora muitos cientistas acreditem que a criação de bichos silvestres em cativeiro seja uma opção de preservar as espécies selvagens, a maioria da comunidade científica concorda que o melhor lugar para esses animais é seu próprio ambiente ou, como se diz entre cientistas, seu habitat.

Por maiores que sejam os cuidados, uma criatura silvestre presa, além de viver infeliz, acaba por desenvolver várias doenças relacionadas ao estresse. Estresse? Isso mesmo. Da mesma maneira que você sente saudade de casa durante uma longa viagem, o animal silvestre sofre o mesmo - com a diferença que ele jamais retornará ao seu lugar de origem.

E não é só: acostumados a espaços quase infinitos, esses seres vivos, quando são promovidos a bichos de estimação, ficam confinados em caixas de vidro, gaiolas, pequenos tanques: estudos comprovam que isso é de enlouquecer para quem, como na canção, nasceu para ser livre.

Bichos de estimação silvestres e falta de conhecimento
Uma senhora entra em um pet shop em busca de um presente para seu neto de 14 anos. O vendedor mostra um belo papagaio-de-peito-roxo. A avó, cheia de boas intenções, leva a ave, uma gaiola com bebedouro e um saco de sementes. O adolescente vibra de felicidade, ao ganhar um animal tão diferente e bonito.

Passada a euforia do momento, a ave engaiolada é colocada na área de serviço. O dono fornece água fresca e ração todos os dias e mantém a gaiola limpa. Após dois meses, o animal começa a apresentar problemas: não quer comer e se torna apático. Pouco a pouco, o papagaio definha e morre.

O jovem proprietário da ave silvestre, sem entender a causa da morte de seu pet, resolve se informar. Descobre, então, que a espécie de seu bicho de estimação tem como habitat matas secas e pinheirais, e necessita de buracos em troncos de árvores para fazer seu ninho. E que esse animal gosta de frutas e sementes - e o garoto lembra que havia dado um pedaço de banana apenas uma vez à ave. Nesse caso, o animal morreu de desnutrição e depressão - papagaios são muito sociáveis e precisam de atenção constante.

A aquisição de animais silvestres sem o prévio conhecimento de seus hábitos e necessidades é uma das maiores causas de sua morte. Sem falar dos casos de abandono puro e simples.

A aranha caranguejeira
A Acanthoscurria geniculata é uma bela aranha de grande porte da região Amazônica conhecida popularmente como caranguejeira. Ela tem pêlos e um certo tipo de beleza - mas não deve ser por isso confundida com um bichinho de estimação.

Seu veneno não tem importância médica, isto é, não causa morte do ser humano adulto. Mas poucas pessoas sabem que sua picada pode matar crianças, animais domésticos de pequeno porte (aves, cães, coelhos ou gatos) ou até mesmo adultos que possuam reações alérgicas à sua peçonha. Que, aliás, tem sua função na sobrevivência da aranha: defesa e arma para caçar e se alimentar.

Outra característica da família das caranguejeiras é a presença de pêlos urticantes em seus corpos que são liberados no ar - quando esses animais se encontram em situações de estresse. Em contato com os olhos, essas cerdas podem causar até mesmo cegueira. Urticante quer dizer algo que tem a propriedade de irritar a pele, como é o caso da planta urtiga.

No Instituto Vital Brasil, há relatos de casos em que os pêlos urticantes chegaram às vias respiratórias das vítimas (através da respiração) causando grandes irritações das mucosas.

Dieta de um pet silvestre
Para ter um pet desses, o ideal é criar também seu alimento - todas as caranguejeiras são carnívoras e só se alimentam de animais vivos. Conforme a espécie e o estágio de desenvolvimento do aracnídeo - o tamanho da aranha -, sua alimentação varia desde tenébrios (larvas de besouros), baratas, grilos até filhotes de camundongos.

A jibóia
No caso da jibóia, os cuidados são ainda mais intensos. Alguns exemplos de suas necessidades são um espaço que contenha pelo menos um tronco com galhos, já que é uma espécie arborícola (que vive em árvores), manutenção constante da temperatura e luz do ambiente onde se encontra bem como a limpeza do mesmo, água fresca e sem cloro. Como as caranguejeiras, as jibóias alimentam-se apenas de animais vivos: camundongos e coelhos seriam o cardápio dessa cobra no cativeiro.

A criação de animais silvestres exige respeito às suas características comportamentais, cuidados com a alimentação, prevenção e tratamento de doenças - e ainda abrigo adequado às suas necessidades.

Animais silvestres não são como cães e gatos
Aranhas, serpentes, aves e lagartos não são como os cães e gatos. Isso é, não possuem qualquer tipo de "carinho" pelo dono - eles têm apenas um certo respeito, pois sabem que é o dono que traz alimento. Assim, nada impede que a pessoa que cuida desses animais sofra algum tipo de ataque. Muitas vezes, aranhas e serpentes atacam por causa do estresse desencadeado pela vida em cativeiro.

Enquanto algumas pessoas dizem que a posse de animais silvestres é uma das soluções para a sobrevivência das espécies em questão, emerge um terrível efeito colateral: o tráfico de animais. Essa prática é crime e só movimenta menos dinheiro que os tráficos de drogas e de armas. Mas ele só existe porque existe gente que compra os animais.

Segundo o relatório elaborado pela Renctas (ONG responsável pelo combate ao tráfico de animais), "a comercialização em pet shops é o fator que mais incentiva o tráfico de silvestres no Brasil". De acordo com esse estudo, são 38 milhões de espécimes retirados de seus habitats por ano. Desses, apenas 10% chegam ao seu destino com vida, pois a maior parte morre de fome, sede, calor, asfixia ou outras condições estressantes.

Quando os animais são apreendidos pelo Ibama, são enviados para zoológicos - jamais retornam ao seu ambiente natural. Isso acontece por causa da falta de recursos do órgão governamental. Por exemplo, quando um animal da Amazônia é apreendido em São Paulo, sai muito mais barato mandá-lo para o zoológico do que para seu local de origem - e assim é feito.

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